segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Addis para iniciantes

Naquela manhã, após acordar com os breves momentos entre "ai que sono", "que cheiro de pimenta é esse?", "onde estou?" e "quero dormir mais", saquei estava acordando na Etiópia. Pela primeira vez. Um breve momento de alegria por estar acordando pela primeira vez no continente africano e ao mesmo tempo ainda cansado por ter dormido pouco. Meio cansado e lerdo por ter acabado de acordar, foi passando na minha cabeça imediatamente todas as referências de Etiópia que já tinha visto na vida. De trás pra frente, como uma fita de videocassete em função Rewind. Desde as muitas coisas que já havia pesquisado sobre o país meses antes até a primeira vez que fiquei sabendo que a Etiópia existia. Fui mentalmente transportado para Araújos, em 1994. Quando comecei a colecionar o álbum de figurinhas "Ping Pong - Records Guiness", uma das primeiras figurinhas que adquiri para o álbum. Fiquei maravilhado com a descoberta na época. E nunca mais me esqueci do país. Normalmente as pessoas tem uma visão da Etiópia ruim dado ao fato da crise de fome que o país passou na década de 80. A minha não poderia ser mais positiva. Guardo esse álbum (completo) até hoje e não me livro dele de forma alguma.

Após acordar, um breve momento para "malhar". Tinha trazido um pequena kit malhação (que se consistia basicamente num cano elástico super versátil) e uma lista de exercícios pra fazer com o próprio corpo pra ver se acabava não perdendo muito do que havia duramente conseguido na academia meses antes. Não adianta, são cinco meses malhando e um pra desfazer de todo duro progresso. Queria fazer diferente daquela vez. mas infelizmente a rotina de malhação durou poucos dias. Se no Brasil tem de ter muita força de vontade pra manter regularidade na academia, viajando tem de ter 10x mais. Mas ainda vou conseguir um dia. Juro. No final da viagem já estava novamente na terrível forma de magrelo e flácido como minha genética insiste em manter.

Nosso confortável quarto


Depois de malhar e esperar o Robert fazer o ritual de acordar (que dura por vezes, horas) hora de tomar o café da manhã do hotel. Era o mesmo local do restaurante, mas naquele momento, era dia. Com muito mais pessoas. O interessante é que o restaurante do hotel possuia um vidro enorme que recobria toda a parede do lado para a rua, de forma que dava pra ver a vida passando na rua de uma forma bem clara. E que vida! Carros velhos abarrotados tentando atravessar em meio a pessoas cruzando por todos os lados. Pessoas de diversas etnias, cores e panos (julgo eu sendo por motivos religiosos ou pela região da Etiópia que ela tem origem) passando. Pessoas carregando umas 10 galinhas pelos pés em cada braço. Pessoas carregando algo que parecia palha sobre a cabeça e que fazia um volume muito maior do que o corpo dela. Mulheres com roupas coloridas, mulheres muçulmanas com roupas nada coloridas. Cabras (muitas cabras). Aparentemente muito barulho, mas nao dava pra escutar. Como um caos silencioso.


Restaurante do Hotel
 E o café estava ótimo. Para quem não sabe, o café é originado da Etiópia, de suas regiões mais altas. Foi um dos primeiros lugares a cultivar a planta e fazer o café. Inclusive existe o "ritual do café" (explico em outra oportunidade). E como eles já fazem café a (creia) muitos anos, o café deles é delicioso. Nada a ver com o brasileiro, é mais encorpado e com uma borra grossa no fundo. Lembra muito o café artesanal. Em Araújos, minha mãe já chegou a plantar e fazer café totalmente artesanal. É um café que não é tao forte, mas você sente seu sabor mais claramente. o que me leva a pensar que o café industrializado leva altos aditivos que muda seu sabor totalmente. Além do café, umas frutas, uns croissants (pessimos) e a comida tradicional etíope (delícia). Éramos os únicos "brancos" do hotel, e ao mesmo tempo que estava ansioso para explorar a cidade, estava batendo um leve medinho pelo desconhecido de se embrenhar no sujo, pobre e "lugar onde claramente vc é o diferentão e todos vão ficar te olhando". Além de tudo, tenho 1,95 de altura, seria meio difícil passar despercebido por ali.

Hora de explorar a cidade, saímos de cara para conhecer um lugar conhecido como Merkato. Um dos maiores mercados ao ao livre da África (alguns dizem ser o maior), era (no mapa) perto do hotel, então fomos andando. Ainda não acostumado ao caos do dia em Addis, fui andando e reparando admirado em absolutamente tudo, como um araujense em Belo Horizonte pela primeira vez. O Merkato é um lugar impossível de ser conhecer tudo, fomos dando voltinhas aleatórias e explorando o lugar onde se vendia de tudo, de eletrônicos a itens de magia negra, de cenouras a moedas antigas do Império Axumita (proibidas de serem vendidas por lei).
Caos do Merkato

 A maior personificação do caos, não havia  muito espaço físico para todos, (e aprendi rápido que quando havia espaço físico e as pessoas abriam espaço era pq um caminhão estaria passando por ali em breve) e nao tinha pego o ritmo das pessoas e ficava na frente do caminho de pessoas carregando pesados e volumosos fardos, que me deixava incomodado por estar atrapalhando o trabalho alheio. Além de que sendo os unicos gringos do lugar, por vezes alguns nos abordavam tentando dizer algo. Por ser o começo de viagem, tentava nao dar atenção, pois poderia ser pessoas tentando "fazer amizade"para passar um golpe logo logo; ou poderia ser pessoas genuinamente legais querendo fazer uma nova amizade. Estava tímido, receoso e acuado, seguia em frente.
Super normal

Depois de muito caminhar no Merkato, resolvemos ir na Saint George Cathedral, uma das mais importantes da Etiópia. os Etíopes reverenciam a São Jorge muito mais que qqr outra religião cristã. Há imagens de São Jorge matando o dragão em todo lugar, não só nas igrejas. E tb há várias versões do Santo, e obviamente aqui, a mais comum é um São Jorge negro. Chegamos lá, a igreja estava fechada para turistas, pois ainda estava acontecendo uma celebraçao lá dentro. Esperamos sentados no banco da pracinha enquanto um etíope nos abordou para nos "dar uma aula sobre a igreja". Nada que o livro do Lonely Planet não dizia, mas obviamente procurando por uns trocados fáceis de gringos, (claro que nao conseguiu). Terminada a celebraçao e por um breve momento de espera, o religioso responsável pela igreja veio nos abrir a igreja em um tour. Nesse momento, alguns outros gringos estavam presentes. Foi péssimo e caro. Aquele típico tipo de tour em igrejas onde "em respeito ã religião, não se pode fazer absolutamente nada, mas são sempre muito caros.
Igreja de Sao Jorge de Addis

Após isso fomos ao Museu nacional da Etiópia, no caminho, um outro lado da cidade, menos caótico, mais "cidade", crianças saindo da escola, pessoas jogando tenis de mesa na rua, lugares asfaltados. uma vida diferente por ali.
A caminho do museu nacional

O Museu nacional da Etiópia é um lugar que realmente vale a pena. Entrada não é cara, sem enganos nem taxas escondidas, sem guias, e com muitas coisas interessantes, ele possui andares, e em cada andar relata um período histórico do país.
Andares do Museu Nacional da Etiópia

Lá você encontra as pinturas dos Lagos de Bahir dar. Muitas delas inclusive se perderam por algumas enchentes lá ocorridas. Olha que lindo e enorme.

Mas o grande highlight do museu e a ossada de Lucy, o mais antigo fóssil hominídeo já encontrado no planeta. De 3,2 MILHÕES de anos atrás. Um fato curioso, o nome "Lucy" veio em decorrência da música "Lucy in the sky with Diamonds" dos Beatles, pois na época da escavação em 1974, essa música simplesmente não parava de tocar por ali nas sofridas noites do deserto Afar. E, o nome do fóssil da brasileira Luzia, fóssil mais antigo das Americas de 12.000 a 13.000 anos, encontrado aqui perto de BH em Pedro Leopoldo, veio em homenagem à etíope Lucy. Pois é, Beatles influencia a história.
Fóssil de Lucy, o mais antigo hominídeo do mundo.

Terminada a visita, saindo do museu, me assustei com uma enorme cabeça de pedra no jardim, era algo enorme e parecia ser de uma civilização etíope antiga, e me perguntei imediatamente "Pq diabos eu nunca ouvi falar nessa civilização maravilhosa, quero saber mais". Aproximando da peça descobri que era uma cabeça Olmeca, presente do México pra Etiópia,. (México que me aguarde). Hora de voltar para o hotel, percebemos que fizemos absolutamente todo o trajeto à pé naquele dia, estavamos exaustos. Tentamos negociar um taxi, mas o preços estavam extra abusivos. É uma tristeza negociar transporte de algo que nao tem preço fixo, pois sou simplesmente pessimo em pechinchar e os caras lá jogam o preço umas 6x mais caro que o normal. Ao contrário de outros países, os etíopes sao irredutiveis, nao abaixam o preço para gringo. Existe meio que uma cultura local que o gringo deve pagar mais por tudo, e eu acho isso pessimo, pq ao contrario do que os Africanos pensam, nem todo gringo é rico, e eu sou um claro exemplo disso, sou economico e tenho um orçamento limitado. Sem paciencia e mesmo cansado, fizemos um outro longo trajeto a pé para o hotel. Que nao foi lá, tao ruim assim.





quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A primeira impressão não é a que deveria ficar

Inicialmente aqui cabe uma menção. Normalmente quando chego a qualquer país novo, todos os meus sentidos se abrem. Começo a reparar em tudo as ruas, como as pessoas se vestem, os cheiros ao redor, os barulhos e músicas ao redor, tudo e em pequenos detalhes. Como se meu cérebro fosse um computador e eu estivesse preenchendo uma nova pasta com informações do novo país, como se isso o definisse. Com toda certeza, as primeiras impressões que você tem sobre um país, nunca são aquelas que, de fato, o definem. Mesmo tendo consciência disso, não consigo parar de fazer isso nunca. Afinal, naquele dia, Addis Ababa estava calma, as ruas com poucas pessoas, algumas lojas/bares/não sei oq com pisca-piscas de natal contrastando com as ruas mal iluminadas, pessoas reunidas numa esquina assistindo TV, asfalto com buracos no centro da cidade, entulhos de obras em diversos lugares, etc, não definem a Etiópia; de forma alguma. Mas meus olhos e ouvidos não paravam de procurar curiosamente algo para entrar na recém criada pasta “Etiópia” em meu cérebro.


Depois de uns 20 minutos de carro, chegamos ao hotel. O fato é que não era o hotel que havia fechado com antecedência pela internet, mas um claramente inferior e que claramente daria alguma comissão para o sorridente motorista.
Essa foi minha primeira lição da África, situações como essa acontecem absolutamente a todo momento, e você tem duas alternativas, brigar/argumentar ou ceder.
Como sou sempre uma pessoa extremamente covarde e tímida pra tudo, certamente iria ceder e aceitar o hotel inferior e perder o que já havia pago pelo outro; para não ter de discutir/argumentar/passar-horas-tentando-explicar-a-confusão-que-eles-certamente-já-sabiam-que-iria-acontecer-mas-querem-te-fazer-passar-por-essa-situação-desagradável,-te-fazer-ficar-sem-graça-e-ceder. 


Mas para a minha felicidade, tenho a sorte de ter o melhor companheiro de viagens ever, Robert é muito mais do que um companheiro, ele me completa. Completa em coisas que eu sou incapaz de fazer, me completa pq me estimula a fazer coisas que não faria sozinho, me completa pq sugere fazer coisas que não enxergava e é um problema em potencial, me completa pq um preenche as lacunas que o outro tem (sem piadas plz¬¬). E nesse sentido faz muitas coisas que jamais faria em minha vida, do tipo, brigar com taxistas russos, fazer uma ligação internacional falando em inglês para reclamar de um valor cobrado numa reserva nos EUA, puxar conversa com pessoas na rua para pedir informação mesmo não falando o idioma da pessoa no Laos, barganhar preços na Tailândia, Entrar em ônibus desconhecidos no Egito, enfim... Robert = <3. Não que viajar sozinho seja ruim, nas vezes que o fiz, foi ótimo e tudo também deu certo. Mas é que ele facilita muito minha vida, e foi o que ele fez naquela noite.


Ele entrou no hotel, e foi conversar com o chefão da empresa de turismo e explicar a situação. Segundo ele chefão com cara de chefão mesmo a La “Rei Do Crime” versão Etíope. Eu fiquei covardemente no carro em posição fetal. Momentos de agonia depois, voltam todos ao carro, e o motorista agora não tão sorridente, nos conduz ao hotel correto.


Uma vez no hotel certo, no quarto certo, hora de fazer tudo aquilo que já devia ter feito a tempos, como ajeitar as mochilas, as roupas, tomar banho, comer e aproveitar o conforto do hotel. Hotel este que de longe foi o mais confortável hotel que fiquei na Etiópia, quartos com cômodos grandes e largos, cama excelente, restaurante interno, etc.
Naquela noite não tinha outra coisa em mente a não ser comer e dormir, fomos ao excelente restaurante do hotel. E daí vieram os primeiros choques culturais. Aquelas pequenas coisas do dia-a-dia que ninguém repara, mas se são coisas que não são da sua cultura você estranha na hora como o fato dos Etíopes colocarem pimenta em absolutamente tudo, inclusive na melancia. Que a pizza deles se consiste numa massa, e com vegetais em cima, nada de queijo (que não vi em momento algum na Etiópia), nada de carnes. Alguns tomates, milho, pimentão e manjericão como estamos acostumados, mas também coisas como vagem, e outros legumes não-identificados. E isso não é nada ruim, é diferente! E isso é o que me encanta. Muitas pessoas falam das diferenças culturais entre um país e o Brasil como se fosse algo negativo. Mas tudo isso pra mim é experiência em cultura estrangeira, e tudo é ótimo, tudo conta, tudo é maravilhoso. Desde a “pizza” de vegetais, a pimenta em tudo (detalhe, não gosto de pimenta), a todo mundo reparar na minha altura e nos meus alargadores, (pelo menos alguém repara neles : (. ). Minhas descrições serão cheias de detalhes acerca das diferenças culturais que consegui perceber.

A Etiópia tem sua religião própria. O cristianismo ortodoxo Etíope. E como toda outra religião ortodoxa, tem sua característica própria; apesar de sentir um elo intrínseco entre todas as religiões ortodoxas, na arte como um todo.
O que mais me admira na religião da Etiópia é que o país sempre esteve rodeado de países muçulmanos por todos os lados. Sofreram ataques, invasões, igrejas destruídas, pressões internacionais, mas sempre se manteve firme e continua com sua maioria da população cristã. Os muçulmanos são maioria em algumas regiões do país, principalmente nas áreas mais desertas e ermas. Há ainda outras minorias como as crenças tradicionais africanas, Judeus etíopes(!!!), lá conhecidos como “falasha”, e os rastafári (sim! É uma religião, falarei sobre essa curiosa religião aqui em alguma outra oportunidade). Mas de qqr forma, mesmo tendo uma imensa diversidade religiosa, os cristãos etíopes continuam sendo maioria, principalmente nas grandes e históricas cidades.


Jantar feito, hora de dormir. O hotel era do lado de uma mesquita. Pouco depois de dormir, às 5:00 já escutava a melodia de chamado para a oração, como é de costume muçulmano. Mas uma coisa que não sabia era que a melodia do canto de chamado para oração varia de lugar para lugar, e em alguns lugares são inclusive de caráter livre. A melodia cantada pelo cara da mesquita era absolutamente linda. A mais bela melodia de chamado de mesquita que já escutei. É uma mistura louca de escala árabe, com menor harmônica, com traços pentatônicos e um tiquitinho de quartos de tom aqui e ali. Parece louco, mas era linda.

Como estava muito empolgado, mesmo cansado, não consegui dormir mais, agora era esperar no mínimo umas 4 ou 5 horas até o Robert resolver criar vergonha na cara e querer levantar e explorar a cidade...


Addis Ababa

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Cheiro de Etiópia

Ok! Vamos falar de Etiópia.

Quando estava indo pra Tailandia no final de 2013, tive uma escala no aeroporto de Addis Ababa, lugar onde haviam muitas imagens do país em propagandas de turismo pelas paredes do aeroporto. Aí veio meu primeiro interesse pelo país. Um ano depois, estaria eu embarcando para a mais aventuresca viagem de minha vida. E até o momento, minha preferida.


Minha primeira vez no Aeroporto de Addis, indo para a Tailândia

Antes de começar a falar, já é bom desmistificar. A gente aqui no Brasil não faz ideia de como são as coisas em outros países, principalmente os menos mainstream. Essa viagem foi completamente um aprendizado sobre a cultura etíope e da Africa em geral, quebrando muitos paradigmas e preconceitos que muitos tem por aqui. Vamos desmistificar isso por partes. A primeira imagem que normalmente vem à cabeça das pessoas quando se fala de Etiópia, são de crianças esqueléticas mortas de fome. Sim! A Etiópia já teve uma crise de fome. Mas isso foi na década de 80, nada a ver com a realidade de hoje. É um dos países mais ricos da África, recentemente inaugurou primeiro metro construído na Africa subsaariana e está no topo dos países em crescimento. Continua sendo pobre? sim. Tem pessoas passando fome? Não vi, mas  provavelmente sim. Acho que tudo depende dos olhos de quem vê.
Talvez minha vida em Araújos fosse considerada pelo “padrão Fifa” de hoje como uma vida de pobreza. Era uma vida simples, sim. Mas não me faltava nada. Vai dos olhos de quem vê. Talvez você visitando a Etiópia ache que todos vivem na pobreza; ou, talvez você, assim como eu, acha que eles vivem na simplicidade, são trabalhadores guerreiros e buscam o melhor pra sua família, e são felizes assim sem precisar de ter luxos desconexos com sua cultura.




Outro paradigma quebrado foi em relação ao povo africano; aqui para nós, tudo é “negro”. Lá existe uma infinidade imeeeeeensa de etnias, cada uma bem diferente da outra. E os Etíopes são mais notórios ainda. São aquele estereótipo de “negão”? Aquele negro alto e forte de traços rudes? Nada a ver com o povo Etíope. “Etíopia” vem do grego, que significa “terra dos homens enegrecidos pelo sol”. Uma tonalidade bem mais clara e traços finos. As mulheres etíopes são fáceis de serem identificadas, são como elfas; magras, esguias, rosto delicado e afinado, muitas tem o cabelo mais liso, e uma a coisa muito marcante. São todas lindas!
Os homens a mesma coisa, como elfos; esguios, traços finos e delicados no rosto, talvez não os ache tão bonitos quanto as mulheres devido à minha preferência por homens com traços mais masculinos.

Nota de 1 Birr



A Etiópia tem uma cultura antiquíssima e riquíssima. É um Egito sem a devida fama. A história do país é uma história muito linda, que vou contando aos poucos quando for falar de cidade em cidade. Mas admiro muito a Etiópia devido sua cultura e sua história. Acho que o povo Etíope deve ser muito orgulhoso de ser de um país tão distinto.
Possui uma língua e um alfabeto próprio, a língua Amárica e o alfabeto “Geez”, inclusive tentei decifrar uma das mais antigas partituras (em Geez) já escritas no planeta nos arredores de Yeha. Dizem ser uma língua fácil de se aprender, mas até hoje não nada além do “Amasagnalo” (Obrigado!)

Partitura em Geez, que tentei cantar



Tem uma culinária própria também. A comida etíope é bem peculiar. A comida tradicional é servida numa bandeja grande, coberta com uma massa chamada “Injera”, essa massa é feita com o “teff”, um cereal que só cresce em certa região montanhosa da Etiópia e tem um valor nutricional absurdo. A Injera quando comida pura tem um sabor meio amargo, meio azedo, meio massa-de-mandioca-lavada. Mas eu que adoro sentir novos sabores, adoro a comer pura. Ao lado da injera vem o “wat” (sem piadas, por favor) que são os montinhos de molho que as acompanham. Os molhos variam de acordo com o freguês, normalmente são molhos de lentilha ou ovo, e alguns de legumes com carne; normalmente de carneiro ou bovina. Frango é raro, derivados de leite, raríssimo. A pimenta é forte, e você antes de comer tenta advinhar qual monte de wat está menos apimentado. O objetivo é pegar um pedaço de Injera com a mão e com os dedos beliscar um pouco de molho e levá-los a boca. (Seis meses antes da viagem, estávamos Robert e eu num restaurante Etíope em Nova York para “treinar comer comida típica da Etiópia” e comemos tudo com garfo e faca. Como dois selvagens desinformados. Um crime). Toda vez que passo no aeroporto de Addis Ababa faço questão de comer a comida típica. Que aliás é umas duas ou três vezes mais barata que qualquer outra. Mesmo nutricionalmente sendo mais rica. (Yay).

Comida tradicional Etíope



Coisa que pretendo fazer muitas e muitas vezes mais, visto que a Ethiopian airlines ultimamente está sendo a empresa que mais compensa viajar para os lugares que costumo gostar.

Toda vez que desço em Addis, o avião abre a porta e em meio àquela confusão de vento, avião desligando, outros aviões chegando, você cansado, cheiro de óleo e outras coisas próprias de pista de pouso uma coisa SEMPRE me vem ao olfato: “O cheiro de Etiópia”. Algo indescritível. Antigamente achava que tinha algo a ver com a comida etíope, mas hoje, acho que não. Um cheiro meio azedo/apimentado/estranho. O cheiro de Etiópia. E esse cheiro se manteve até o último dia de minha estadia.


Na primeiríssima parte de minha aventura, desci no aeroporto, fui pegar o demorado “visa on arrival” (nenhum problema). Próxima missão, encontrar os caras do tour que havia fechado para dias e dias depois que iriam generosamente me dar uma “carona” até o hotel. “Carona” entre aspas pq mal sabia o pobre e “inesperiente em Africa” Skald que os perregues para turistas brancos na Africa começam cedo. Após encontrados, blza.  Vestiam como “rappers” americanos. Parece que é moda por aqui. Simpáticos e sorridentes me conduziram para seu carro. Pequeno para o padrão Skald de normas e medidas, mas perfeito para conduzir 4 pessoas com boa vontade. A noite estava profunda e enluarada, as luzes públicas são fracas e pouco se vê pela janela além de algumas construções e alguns entulhos. Para onde me levaram vcs saberão no próximo capítulo “Addis Ababa, a capital”. Um abraço!
Aeroporto de Addis

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Antes de começar...

Para expor a princípio como serão expostas minhas ideias nesse blog, é importante deixar claro como algumas pequenas formas de pensamento pessoais são expostas, alguns paradigmas, algumas gírias internas e até mesmo alguns neologismos. E não poderia deixar de ser o meu primeiro post do blog explanar sobre a pequena Araújos. Cidade onde não nasci, mas morei por longos 9 anos, minha infância inteira. Momento crucial de minha vida, onde construí minha maneira de ver o mundo.
Araújos - MG
Foto: gylmarkc





Incrustada no centro-oeste mineiro, suas características, suas ideologias, seus paradigmas, a forma de pensar de seus moradores, a religião, seus valores; enfim,  tudo tem um peso enorme sobre minha forma de pensar atual. Vou citá-la bastante por aqui.
 
Araújos na década de 90
Foto:André Luciano
Por outro lado também, é a cidade que mais odeio. Tenho traumas, raivas, “agonias”, preconceitos, medos inexplicáveis e manias desagradáveis que adquiri nesse lugar. Independente de julgar se todas minhas características adquiridas nessa cidade sejam boas ou ruins, uma coisa é certa. Esta é de longe a cidade mais importante da minha vida. Me influenciou e me influencia profundamente, e tudo nesse mundo que ainda vou citar nesse blog vai fazer alguma relação à essa cidade. Todos os moldes de relação que estabeleço com alguma coisa nesse mundo tem relação com alguma coisa presente na realidade dessa cidade. Quando descobri o mundo, essa realidade era o que estava ao meu redor, e naquele momento, a pequena Araújos era o mundo pra mim.

Parte da Praça Central e a Igreja Matriz
Foto: Wilson Fortunato



Na década de 90, Araújos tinha uma pequena população que mal chegava aos 5000 e ainda conservava muito do clima interiorano mineiro típico. Morava numa enorme casa antiga bem no centro da cidade que pertencia a meu avô, casa que provavelmente já foi a maior e mais bela da cidade em seus tempos áureos. Cômodos enormes, desenhos delicados pintados na parede, portas e paredes grossos e largos, lustres, piso com detalhes multicoloridos e um quintal enorme. Não sei se era minha impressão pessoal na época (pois tudo que uma criança vê ao seu redor é maior do que para um adulto) mas essa era a maior casa que já havia entrado na época. E demorou muitos anos para que eu entrasse em uma maior. Só cozinha era umas 2x o tamanho da minha casa atual. Nos dias de chuva, não havia problema, eu andava de patins dentro de casa mesmo, dava pra fazer isso sem problemas e até demorava bastante patinar de uma ponta a outra da casa.

Araújos é vizinho da igualmente pacata “Perdigão”, que na época rivalizava com Araújos sobre qual seria a mais moderna cidade, algo que, pessoalmente, sempre foi bem equilibrado, pois na época, Araújos possuía um clube e Perdigão uma rodoviária. Fair enough!
Araújos está a aproximadamente 12,2km  de Perdigão. E apenas esse fato, pra mim,  é o suficiente para calcular o quão distante algum lugar é de outro. Via de regra a distância de minha casa ao Hotel que fiquei em Pequim, China, quando fui da última vez é igual a 1709,8 vezes de Araújos a Perdigão. A quantidade de quilômetros que subi a pé do último acampamento base até o topo do vulcão Erta Ale era de 2,4 vezes de Araújos a Perdigão. A distância de minha casa até o meu trabalho é de 0,3 vezes de Araújos a Perdigão.


Atualmente a cidade possui uma praça principal, algumas praças secundárias, um lago artificial, um clube de esportes, incontáveis bares, um coreto, uma pousada (a única opção de se hospedar por lá), uma quadra poliesportiva e algumas outras pequenas coisas nada de mais. Mas como uma cidade que claramente nunca foi particularmente encantadora poderia ter me marcado tanto?
Provavelmente o mesmo que me influencia em todos os lugares que visito ainda hoje por onde passo.  As pessoas!
Os valores das pessoas que viviam na cidade naquela época eram estritamente, digamos, tradicionais. O que hoje em dia ou poderia chamar por “machista”, “homofóbico”, “pés-no-chão”, “pragmático”, “religioso”, “não-lúdico”. (nada muito diferente do país inteiro, não é mesmo? Heheh)
O jovem Skald daquela época passou por muitas situações desagradáveis por ter ideias contrárias ao resto do rebanho. Artes, desenho, criatividade, expressividade, música sempre foi algo de segunda categoria por ali, e todos que não se dispunham a ser inexpressivo como os demais estariam sujeitos a serem taxados de “o diferente”; algo extremamente ruim de ser taxado em uma cidade tão pequena onde todos se conhecem.
Por outro lado, vejo coisas positivas em minha formação pessoal no meu crescimento na cidade, aprendi coisas quando criança que definitivamente não aprenderia se morasse em Belo Horizonte por toda vida; como andar de bicicleta, nadar, saber como selar um cavalo e a cavalgar, saber lidar com os animais, entender nomes de plantas e árvores, gírias e ditados populares que só existem na região (e fazem muito sentido), não ser fresco com comida e saber dormir com qualquer lugar, saber lidar com o bulling, saber bastante sobre a Bíblia e a religião católica, ser respeitoso com os demais, aprender a dividir as coisas, etc. E também, ao fato da cidade ser pacata e ter poucas opções de entretenimento, foi excelente para minha criatividade; o jogos sempre foram (e ainda é) minha paixão, foi nessa época que criei alguns jogos de cartas e de tabuleiro (onde sempre que posso ensino para alguém em viagens) , algumas adaptações de peças de teatro, onde aprimorou muito minha expressividade e minha acuidade na forma de lidar com as palavras.
A maneira como percebo as coisas hoje sofreu duras influências da cultura de Araújos, um mix do que sou hoje com o que a cidade era na época, vou citá-las bastante por aqui. Estou em constante mudança e cada vez mais tento evoluir ao passo de desconstruir alguns preconceitos ou receios inerentes aos habitantes típicos da cidade na década de 90, aos poucos a gente consegue.



Atualmente,  com a globalização e desenvolvimento das cidades, Araújos perdeu muito de suas características originais.  As pessoas não puxam mais o “r”, não plantam mais hortas como antigamente, nadar em rio agora é perigoso e nojento, crianças brincando na rua se torna algo mais raro, andar a cavalo pelas ruas é brega (a menos que vc esteja na cavalgada oficial da cidade), a “festa de Reinado” tradicional da cidade virou um segundo Carnaval, os homens não usam mais chapéus, as antigas ruas de pedra foram substituídas pelo asfalto, os católicos não são mais de 99% da cidade, trabalhar como lavrador/pecuarista não é mais comum, morar na região rural é raríssimo e as fofocas... Bom, as fofocas continuam como sempre foram...

Lago Artificial
Foto: Chistyam de Lima

O Coreto
Foto: André Luciano

Matriz de São Sebastião de Araújos
Foto: Aender