Na manhã seguinte, eu me sentia com "Ímpeto". Um fogo de querer sair logo e conhecer mais coisas novas dessa linda cidade brotava por dentro. As coisas pareciam menos novas e incógnitas, e alguns receios que tenho toda vez que estou em algum lugar desconhecido já estavam sumindo. Já sabia a hora que o Rober iria acordar, já sabia a hora que o chamado para a oração na Medina iria acontecer (A maravilhosa melodia na escala desconhecida), já sabia onde era o café da manhã e já sabia mais ou menos por onde iríamos durante o dia, com um mini mapa mental de "pra lá do que fomos ontem do cara que carregava 2 bodes numa bicicleta" e "uns 10 quarteiroes pra lá seguindo aquela rua que parecia ser perigosa".
A Medina ao lado do Hotel |
Depois de tudo feito, pé na estrada, o primeiro destino seria o "The Museum of the Institute of Ethiopian Estudies". Um museu que se localiza dentro na Universidade de Addis. Achei interessante não só pelo Museu em si, mas porque teria a oportunidade de visitar uma Universidade ali e ver como é a rotina dos estudantes naquele país.
Passadas diversas ruelas que no Brasil seriam consideradas "feias e perigosas", mas que pro contexto etíope significam "cheias de vida", cheguei à Universidade de Addis, um lugar realmente bonito, verde e bem cuidado, que mais lembra um parque do que uma universidade. Logo de cara, encontrei uma quadra onde alguns estudantes estava jogando vôlei, sem nenhuma platéia. Sentei para assistir por uns minutos na esperança que eles precisassem urgentemente de um meio-de-rede, mas foi em vão.
Logo em seguida, procurei o museu, um lindo prédio com arquitetura neoclássica maravilhoso (obviamente me perguntei como esse tipo de arquitetura existia aqui antigamente, mas ao longo da viagem parei de me perguntar coisas assim, pq descobri que a Etiópia é muito mais Européia arquitetonicamente que o Brasil, por exemplo).
paguei a entrada, e tive mais uma vez um banho de quanto o país é rico de culturas e etnias diferentes. Alguns quadros, vídeos, artefatos estranhos, jogos típicos, rituais de tradições, itens espalhafatos, estátuas, espadas, café, itens de antigos reis. Tudo junto e misturado. Misturado não. Apenas junto. O museu é curiosamente bastante organizado.
Acredite ou não, são travesseiros típicos |
Não pude deixar de demorar um pouco mais na parte dos instrumentos musicais do país. E mais uma vez um banho de riqueza cultural. Idiofones, Membranofones, Cordas, sopros e outros que não conhecia, mas creio que seja um idiofone típico.
Uma pequena parte da ala de instrumentos musicais |
Mais ao fim do passeio, entrei em uma ala nova do museu e me dei conta de onde estava e o porque esse museu era tão pomposo arquitetonicamente. Aqui era o antigo palácio do Imperador Haile Selassie! Havia a sessao do museu que era os aposentos do antigo Imperador. Foi maravilhoso estar no palácio real, ver a cama real (pequena), o banheiro real (com uma moderna banheira),
Aqui cabe um parêntesis muito importante para falar um pouco sobre esse Imperador.
O Imperador Haile Selassie é uma figura muito interessante pra história da Etiópia e da África como um todo. Nasceu como o nome de Tafari Makonnen, e ao chegar ao poder, com o título de regente da Etiópia em 1916, recebeu o nome de Rei Tafari, ou em etíope Ras Tafari! Perae, Rastafari? O_O"
De onde veio tudo isso? Bom...
Haile Selassie em 1960 |
Existe (ou existiu, ou interpretação louca) uma profecia bíblica de que o Messias seria o primeiro Regente Africano de um país totalmente livre. E de fato, na época, todos os países africanos estavam sob colonização européia, e a Etiópia (assim como a Libéria, mas a Libéria mesmo não sendo colonizada, nunca teve muita autonomia) foi o único país africano não-colonizado. Haile Selassie despontou como o "primeiro regente africano dos novos tempos" e virou o novo Messias da nova religião criada, o Rastafarianismo. Criada na Jamaica, por descendentes africanos que possivelmente nunca viriam o Messias pessoalmente. Se espalhou pela Africa rapidamente e hoje possui quase um milhão de seguidores pelo mundo. Principalmente na Jamaica e no Sul da Etiópia. Uma das práticas religiosas é o uso da Maconha, não para diversão de balada ou para cursar letras ou biologia na UFMG, mas como um ritual de purificação. E o uso de dreadlocks, muito comum na Jamaica na época, virou marca registrada na religião. Ou do estilo de cabelo no Brasil.
O cantor Jamaicano Bob Marley, que certamente foi o mais expoente divulgador do Rastafarianismo, falando em suas músicas sobre os costumes, as crenças, as roupas e todas as ideologias da religião. |
O legal é que o próprio Haile Selassie desprezava profundamente os Rastafari e/ou aqueles que o julgavam uma divindade, considerava-os loucos e incômodos. Como Regente e Imperador da Etiópia tentava a todo custo lidar com toda a tensão de conflitos étnicos no país, mas como um todo foi muito criticado, pois sempre favorecia a um ou outro. Era fissurado em modernidade, e ficou encantado com a invenção da cadeira elétrica nos Estados Unidos e logo encomendou três unidades. Meses depois, as cadeiras chegaram a Etiópia de navio (na época que a Etiópia ainda tinha uma linha costeira :( ), mais alguns meses para levá-las a Addis, até finalmente elas chegarem àquele palácio, que hoje museu, onde eu estava. Haile Selassie abriu a caixa como uma criança na manhã de natal e depois de muito não enteder como aquilo funcionava, percebeu que a Etiópia na época não possuia eletricidade. Governou de 1916 a 1974, com alguns golpes aqui e ali, mas em geral, continuamente. Só teve uma interrupção em 1930 quando os patriarcas ortodoxos etíopes julgaram que este tinha se convertido ao islamismo, mas rapidamente ele retorna ao poder, daí trocou de nome de Rastafari Makkonen para Haile Selassie e o título de regente para Imperador. E outro breve momento em que ele perdeu o poder foi em 1960, quando o Imperador estava curiosamente visitando o Brasil, quando alguns opositores tomaram poder na Etiópia. Ao saber da notícia, Haile Selassie voltou às pressas pra Etiópia prometendo retornar ao poder sem derramar uma só gota de sangue. E foi o que ele fez, retornou ao poder e mandou enforcar a todos os opositores.
Saindo do museu, vc dá de cara com essa estrutura, construída na época da ocupação italiana, cada degrau representava alguma coisa dos passos de Mussolini. Quando a Etiópia recuperou sua soberania, foi colocado acima da estrutura, um leão de Judá, símbolo da Etiópia.
Estrutura construida pelos italianos na época da ocupação e modificada pelos etíopes com um Leão de Judá anos depois |
O próximo passo seria a visita à Holy Trinity Cathedral. A segunda mais importante igreja ortodoxa etíope. O lugar é lindo e fica no meio de um parque, sempre bem arborizado. Rodeando a catedral vc percebe diversas esculturas dos doze apóstolos, Anjos, alguns santos e etc. E foi daí que eu percebi que a diferença da igreja ortodoxa da católica é muito pequena. Entrei na igreja no meio de uma cerimônia que adoraria muito ter filmado (se eu pudesse). Diversos sacerdotes cantando uma melodia e outros repetindo, e outros fazendo outra linha melódica totalmente diferente, mas de certa forma organizada com a primeira. Eu como músico sempre tendo a tentar encaixar formas musicais de outro país na forma ocidental de fazer música e a definição mais próxima que encontrei foi "uma polifonia, onde cada uma das vozes, por sua vez, segue uma heterofonia por três vozes diferentes." Parece muito louco tentar imaginar isso. Mas tudo soa muito conciso. No meio daquela loucura de escutar o canto e apreciar o ritual, me senti incomodado de estar ali fazendo coisa errada numa religião que não conheço. Um etíope ao meu lado estava gentilmente me indicando um lugar pra guardar meu calçado. A hora que tinha de ajoelhar e levantar, e etc. Nada muito diferente de um ritual católico, mas aquilo parecia muito diferente pra mim na época.
Holy Trinity Cathedral |
Saindo dali e explorando um pouco o parque, já estava de tardinha e voltamos ao hotel. Percebendo que fizemos todo os percussos a pé. Uma longa distância, que me deixou bem cansado. Mas preferi isso do que sofrer um golpe de um taxista.
Ao chegar no hotel, tomar um banho reconfortante, comer algo fui logo dando uma olhada no que tinha pro dia seguinte. Por questões de logística decidi visitar o novo país e depois regressar à Etiópia para uma visita ao interior do país. No dia seguinte estaria partindo para o mais diferente e tenso país que já visitei, o Djibouti. Em adição a isso, o dia seguinte era 31 de dezembro. O que significaria que passaria o reveillon no Djibouti. Uma maneira bem indie de se passar um reveillon, não?
Próximo post eu falo sobre o Djibouti. Até lá! ; )
Nenhum comentário:
Postar um comentário