A vida
dentro de um avião não é fácil. É um momento muito diferente da rotina de muita
gente. Naqueles longos e incômodos voos onde vc fica horas torcendo para chegar logo, dorme um
pouco, finge estar na fila do banheiro com pretexto pra esticar as pernas, faz
tudo o mais devagar possível para que o tempo passe logo. O ar é incômodo, o
banco da classe econômica é apertado e tudo parece mais chato e incômodo que o
normal. Ás vezes me sinto um estranho dentro daquelas caixas voadoras, tudo ali
é diferente do meu mundo. Minha rotina de vida normalmente é muito frenética,
tudo que posso fazer rapidamente, o faço, tentando aproveitar mais o tempo possível.
Cinco minutinhos para qualquer coisa que seja é um tempo precioso no meu
dia-a-dia. Mas numa viagem longa de avião, Cinco minutos, cinquenta minutos,
cinco horas é pouco.
Num desses
longos momentos de agonia em aviões em 2013, estava sobrevoando algum lugar no
Corno da África, num lugar onde imaginava ser o sul da Arábia Saudita ou o
Iêmen. Quando olhei no mapinha de localização do avião para ver onde estava,
notei que estava sobrevoando o Djibouti. Já sabia que o país existia, mas nunca
tinha pensado com muita ênfase como ele seria. Naquele momento me surgiu uma
vontade imensa de descer do avião num paraquedas e pousar nesse pequeno país,
só pra saber o que teria ali. Mal sabia eu que um ano depois estaria de fato
indo, de fato, pra lá.
O dia era 31
de dezembro. Véspera de ano novo. Depois de passar alguns dias em Addis,
resolvi ir para o Djibouti. Por ser um país pequeno não se fala muito dele nos
livros do Lonely Planet, aprendi o básico que deveria saber sobre o país,
fechei o hotel e outras pequenas coisas e fui. Mas mais “na cara e na coragem”
do que o normal, não sabia o que esperar ali.
O voo partiu
de Addis à tardinha, seria uma viagem curta. Uma breve parada em Dire Dawa,
também na Etiópia,e a paisagem já mudou completamente. Árvores, arbustos e
verdes, muito comuns na região central da Etiópia começaram a ficar mais
esparsos. Até dar entrada a um deserto por assim dizer. O avião parte de Dire
Dawa atrasado e pousa na capital, a cidade do Djibouti, já com as luzes da
noite. Saindo do avião, aquele cheiro de mar imediatamente aparece e me faz
lembrar que estou às beiras do mar vermelho em meio ao golfo de Aden.
Chegando... |
Próxima
missão, visto Djiboutiano. Um terror conseguir um visto naquele aeroporto. Mil
pessoas se amontoam pra pegar um formulário para preencher e sair dali o mais
rápido possível, o saguão principal estava infestado de insetos voadores (de
noite) enquanto um cara numa escrivaninha responsável pelos vistos atendia a
todos beeeem lentamente. Com nenhuma informação sobre que procedimentos deveria
seguir, fiz tudo errado umas duas vezes e fui o último a sair do aeroporto
naquela noite. Pelo menos não tive muitas dificuldades para entrar no país.
Próxima
missão, sacar dinheiro! O único caixa eletrônico do aeroporto na aceitava
nenhum de meus cartões, um desespero foi crescendo e possibilidades de
mendicância começaram a ficar mais plausíveis quando comecei a raciocinar um
pouco. O dinheiro do Djibouti é o Franco Djiboutiano, daquelas moedas de alguns
países com vários zeros. Meu cartão tinha dado errado porque acabei confundindo
na hora de calcular quanto devia sacar. Acabei empolgando em digitar zeros e
estava tentando sacar algo equivalente a uns cem mil reais, óbvio que não ia
dar.
Problema resolvido, hora de sair do aeroporto, logo na porta de saída um
simpático senhor, lá pelos seus 50 e tantos, em seu traje Jalabiyah nos
aguardava e nos fez uma proposta de serviço de taxi um pouco desfavorável. Mas
já estava de noite, num país estranho, estava morto de cansaço, e tenso com
tantas novidades e acabei aceitando. Á partir desse momento comecei a entender
melhor como as coisas funcionavam por ali. A primeira coisa que me faz
desanimar de visitar um país é a segurança, se o país está em guerra ou
passando por revoluções. Mas a segunda coisa que mais odeio em visitar países é
justamente o contrário, o excesso de procedimentos de segurança. Policiais te
parando em todos os lugares, ser revistado pra entrar em qualquer
estabelecimento, e todos olhando torto.
Essa foi a primeira impressão que tive
do Djibouti.
Do caminho
do aeroporto até o hotel, nos pararam três vezes, e o senhor motorista teve de
sair do carro e conversar bastante com os policiais para tentar explicar o que
diabos estávamos fazendo ali. A comunicação é um pouco falha, porque ninguém
ali fala inglês. O Djibouti foi uma colônia francesa, e o Francês é uma das
línguas oficiais, além do Geez, Amárico e do Árabe (maioria). E em geral,
pessoas de países francófonos na Africa não perdem tempo aprendendo inglês.
Djibouti city durante o dia |
Chegando no
hotel, fiquei mais aliviado por ter finalmente um pequeno refúgio, um hotel bem
simples, mas satisfatório. O Djibouti, por ser um país pouco visitado tem
poucas opções de hospedagem, ou você fica no hotel simples que todos os locais
vão, ou fica no Sheraton pagando 300USD a diária. Mesmo estando à noite, estava
bastante calor. O Djibouti é conhecido por ser um lugar muito quente, pra minha
felicidade, fui durante o inverno, e as coisas estavam apenas quentes, como em
BH no verão.
Depois de ajeitar as coisas, fui dar uma passeadinha e explorar um
pouco a cidade. Passando por algumas ruelas escuras, chão de terra, esgoto a
céu aberto, algumas pessoas na porta de casa conversando. Andando fui até uma
das ruas principais. Apesar de estar por volta das 21, a rua estava
completamente lotada. Os dois lados que cercavam a rua estavam armadas lojinhas
improvisadas vendendo diversos produtos, principalmente tecidos e frutas,
mulheres vestidas com panos coloridos passando pelos lados, homens com coisas
aparentemente pesadas equilibradas na cabeça, grupinhos de homens conversando
nas esquinas, mulheres muçulmanas pechinchando por melhores preços na banca de
frutas, uma riqueza de detalhes lindos que nunca vou esquecer. Aquela muvuca de
gente, num país distante, me olhando esquisito, com todo aquele cenário clichê de
mercado africano noturno, me encantava. Me arrependo amargamente de não ter
levado a câmera, aquela cena está no meu top 5 de melhores experiências em
viagens. Ainda estava um pouco assustado com as coisas no país, mas deslumbrado
com aquela cena, e muito feliz.
Principal mesquita de Djibouti city |
No dia em questão não consegui atravessar até o
ponto da cidade onde eu queria, para um restaurante que me indicaram, porque
havia uma barreira policial. O policial disse algo em francês que não entendi,
mas foi claro que dali eu não passava. Dei meia volta, respirei dando mais uma
olhada naquela linda feira e as pessoas passando, olhei o minarete de uma
mesquita ao lado, (o principal da cidade) e resolvi voltar ao hotel, passei em
um supermercado pra comprar algumas coisas e me deparei com uns biscoitos
locais com nomes estranhos e com tradução para o inglês, Frances, árabe e português.
Claramente feito para se vender na África. O português com vários erros, mas
ainda sim foi divertido. Segue as imagens:
Vai um Bório ae? |
Teria de dormir cedo porque tinha fechado uma excursão
para o interior do país no dia seguinte e teria de acordar cedo. O país só se
visita com tours. Não há transporte público entre as cidade. Voltei ao hotel
decidido a passar o réveillon lá mesmo. Já que ele tinha restaurante. E naquela
noite de 31 de dezembro de 2014, estava eu, em um terraço que mais parecia uma
laje, de um hotel simples na Cidade do Djibouti, pedindo um prato que não fazia
ideia do que viria e tomando um Coca-cola com logomarca em Árabe. A virada
aconteceu, e me senti o cara mais Hipster do mundo por estar ali. Feliz e
curioso para ver o que os dias a seguir me destinavam. E minhas impressões sobre o país que no começo eram ruins, foram só melhorando ao longo dos dias.
: )
Dormindo no simples hotel |