terça-feira, 8 de março de 2016

O Dia mais Hipster da minha vida



A vida dentro de um avião não é fácil. É um momento muito diferente da rotina de muita gente. Naqueles longos e incômodos voos onde vc fica  horas torcendo para chegar logo, dorme um pouco, finge estar na fila do banheiro com pretexto pra esticar as pernas, faz tudo o mais devagar possível para que o tempo passe logo. O ar é incômodo, o banco da classe econômica é apertado e tudo parece mais chato e incômodo que o normal. Ás vezes me sinto um estranho dentro daquelas caixas voadoras, tudo ali é diferente do meu mundo. Minha rotina de vida normalmente é muito frenética, tudo que posso fazer rapidamente, o faço, tentando aproveitar mais o tempo possível. Cinco minutinhos para qualquer coisa que seja é um tempo precioso no meu dia-a-dia. Mas numa viagem longa de avião, Cinco minutos, cinquenta minutos, cinco horas é pouco.

Num desses longos momentos de agonia em aviões em 2013, estava sobrevoando algum lugar no Corno da África, num lugar onde imaginava ser o sul da Arábia Saudita ou o Iêmen. Quando olhei no mapinha de localização do avião para ver onde estava, notei que estava sobrevoando o Djibouti. Já sabia que o país existia, mas nunca tinha pensado com muita ênfase como ele seria. Naquele momento me surgiu uma vontade imensa de descer do avião num paraquedas e pousar nesse pequeno país, só pra saber o que teria ali. Mal sabia eu que um ano depois estaria de fato indo, de fato, pra lá. 


O dia era 31 de dezembro. Véspera de ano novo. Depois de passar alguns dias em Addis, resolvi ir para o Djibouti. Por ser um país pequeno não se fala muito dele nos livros do Lonely Planet, aprendi o básico que deveria saber sobre o país, fechei o hotel e outras pequenas coisas e fui. Mas mais “na cara e na coragem” do que o normal, não sabia o que esperar ali.
O voo partiu de Addis à tardinha, seria uma viagem curta. Uma breve parada em Dire Dawa, também na Etiópia,e a paisagem já mudou completamente. Árvores, arbustos e verdes, muito comuns na região central da Etiópia começaram a ficar mais esparsos. Até dar entrada a um deserto por assim dizer. O avião parte de Dire Dawa atrasado e pousa na capital, a cidade do Djibouti, já com as luzes da noite. Saindo do avião, aquele cheiro de mar imediatamente aparece e me faz lembrar que estou às beiras do mar vermelho em meio ao golfo de Aden.

Chegando...

Próxima missão, visto Djiboutiano. Um terror conseguir um visto naquele aeroporto. Mil pessoas se amontoam pra pegar um formulário para preencher e sair dali o mais rápido possível, o saguão principal estava infestado de insetos voadores (de noite) enquanto um cara numa escrivaninha responsável pelos vistos atendia a todos beeeem lentamente. Com nenhuma informação sobre que procedimentos deveria seguir, fiz tudo errado umas duas vezes e fui o último a sair do aeroporto naquela noite. Pelo menos não tive muitas dificuldades para entrar no país.

Próxima missão, sacar dinheiro! O único caixa eletrônico do aeroporto na aceitava nenhum de meus cartões, um desespero foi crescendo e possibilidades de mendicância começaram a ficar mais plausíveis quando comecei a raciocinar um pouco. O dinheiro do Djibouti é o Franco Djiboutiano, daquelas moedas de alguns países com vários zeros. Meu cartão tinha dado errado porque acabei confundindo na hora de calcular quanto devia sacar. Acabei empolgando em digitar zeros e estava tentando sacar algo equivalente a uns cem mil reais, óbvio que não ia dar.

Problema resolvido, hora de sair do aeroporto, logo na porta de saída um simpático senhor, lá pelos seus 50 e tantos, em seu traje Jalabiyah nos aguardava e nos fez uma proposta de serviço de taxi um pouco desfavorável. Mas já estava de noite, num país estranho, estava morto de cansaço, e tenso com tantas novidades e acabei aceitando. Á partir desse momento comecei a entender melhor como as coisas funcionavam por ali. A primeira coisa que me faz desanimar de visitar um país é a segurança, se o país está em guerra ou passando por revoluções. Mas a segunda coisa que mais odeio em visitar países é justamente o contrário, o excesso de procedimentos de segurança. Policiais te parando em todos os lugares, ser revistado pra entrar em qualquer estabelecimento, e todos olhando torto. 

Essa foi a primeira impressão que tive do Djibouti.
Do caminho do aeroporto até o hotel, nos pararam três vezes, e o senhor motorista teve de sair do carro e conversar bastante com os policiais para tentar explicar o que diabos estávamos fazendo ali. A comunicação é um pouco falha, porque ninguém ali fala inglês. O Djibouti foi uma colônia francesa, e o Francês é uma das línguas oficiais, além do Geez, Amárico e do Árabe (maioria). E em geral, pessoas de países francófonos na Africa não perdem tempo aprendendo inglês.
Djibouti city durante o dia


Chegando no hotel, fiquei mais aliviado por ter finalmente um pequeno refúgio, um hotel bem simples, mas satisfatório. O Djibouti, por ser um país pouco visitado tem poucas opções de hospedagem, ou você fica no hotel simples que todos os locais vão, ou fica no Sheraton pagando 300USD a diária. Mesmo estando à noite, estava bastante calor. O Djibouti é conhecido por ser um lugar muito quente, pra minha felicidade, fui durante o inverno, e as coisas estavam apenas quentes, como em BH no verão. 

Depois de ajeitar as coisas, fui dar uma passeadinha e explorar um pouco a cidade. Passando por algumas ruelas escuras, chão de terra, esgoto a céu aberto, algumas pessoas na porta de casa conversando. Andando fui até uma das ruas principais. Apesar de estar por volta das 21, a rua estava completamente lotada. Os dois lados que cercavam a rua estavam armadas lojinhas improvisadas vendendo diversos produtos, principalmente tecidos e frutas, mulheres vestidas com panos coloridos passando pelos lados, homens com coisas aparentemente pesadas equilibradas na cabeça, grupinhos de homens conversando nas esquinas, mulheres muçulmanas pechinchando por melhores preços na banca de frutas, uma riqueza de detalhes lindos que nunca vou esquecer. Aquela muvuca de gente, num país distante, me olhando esquisito, com todo aquele cenário clichê de mercado africano noturno, me encantava. Me arrependo amargamente de não ter levado a câmera, aquela cena está no meu top 5 de melhores experiências em viagens. Ainda estava um pouco assustado com as coisas no país, mas deslumbrado com aquela cena, e muito feliz.

Principal mesquita de Djibouti city


No dia em questão não consegui atravessar até o ponto da cidade onde eu queria, para um restaurante que me indicaram, porque havia uma barreira policial. O policial disse algo em francês que não entendi, mas foi claro que dali eu não passava. Dei meia volta, respirei dando mais uma olhada naquela linda feira e as pessoas passando, olhei o minarete de uma mesquita ao lado, (o principal da cidade) e resolvi voltar ao hotel, passei em um supermercado pra comprar algumas coisas e me deparei com uns biscoitos locais com nomes estranhos e com tradução para o inglês, Frances, árabe e português. Claramente feito para se vender na África. O português com vários erros, mas ainda sim foi divertido. Segue as imagens:


Vai um Bório ae?

Teria de dormir cedo porque tinha fechado uma excursão para o interior do país no dia seguinte e teria de acordar cedo. O país só se visita com tours. Não há transporte público entre as cidade. Voltei ao hotel decidido a passar o réveillon lá mesmo. Já que ele tinha restaurante. E naquela noite de 31 de dezembro de 2014, estava eu, em um terraço que mais parecia uma laje, de um hotel simples na Cidade do Djibouti, pedindo um prato que não fazia ideia do que viria e tomando um Coca-cola com logomarca em Árabe. A virada aconteceu, e me senti o cara mais Hipster do mundo por estar ali. Feliz e curioso para ver o que os dias a seguir me destinavam. E minhas impressões sobre o país que no começo eram ruins, foram só melhorando ao longo dos dias. 

: )

Dormindo no simples hotel